sábado, 15 de dezembro de 2007

NAS TRILHAS DA SIMPLICIDADE

Recebo com euforia o livro “Trilhas”, antologia poética organizada por
Virgilene Araújo que reproduz três décadas da incessante guerrilha de
Rogério Salgado com sua verdade fundamental: os versos.

Essa reunião representa um troféu pros admiradores do estilo “livre de estilos”,
é um documento pertinente para futuras gerações.

Dezessete anos depois reafirmo as palavras de José Louzeiro (autor de
Lúcio Flávio, passageiro da agonia): “Infelizmente, vivemos em um país
que perdeu o respeito. Um país que não divulga seus poetas.
Mesmo assim, esteja certo: seu talento é incontestável”.

E digo mais, além de incontestável também é incomum. O coloquialismo
da verve criativa de Salgado soa doce e causa arrepios ao remeter
Drummond em “Poema explicativo para Beto Moreira”:

“Um poeta caminha na calçada. / se fosse um político, uma mulata/
ou um cantor de pop rock/ talvez houvesse alvoroço. / mas é somente um poeta/
que caminha na calçada.” Santa constatação.

Passeando pela visão política de Rogério Salgado, encontramos “Mote
para um samba enredo”(parceria com Virgilene Araújo),
onde ele demonstra toda sua preocupação com as injustiças sociais,
usando o carnaval (nossa maior festa pagã) pra ironizar
os bandidos que nos governam:

“A merda é que / justo no cú do mundo / onde se caga mal / se come mal /
se vive mal/ se fala mal / políticos fazem o carnaval”.

Dono de uma eroticidade refinada e particular, Rogério nos apresenta
e nomeia pêlos, sumos e sensações, todos bem escondidos, porém acessíveis
na arena dos lençóis, sempre lembrando que os dedos nunca estão sós,
como em “Completa Ceia”:

“ Meu tesão/é poder comer teu corpo/ numa ceia/ter ter inteira/
e não somente meia”.

Ou em “Poema teso”:

“O que possuo /entre as pernas /duro e teso feito madeira /
é essa vontade arretada /de fazer besteira”.



Joga com as palavras como se estivesse em uma partida de pôquer,
a diferença é que quase não blefa, assim nos mostra em
“Poema maquiavélico” :

“Cérebro e /mente /da /sacanagem /agem sacana /mente”.

e “Genética”:

“Veneno/ vem/ no/ ventre/ na/ veia/ e/ na/ mente:/ serpente!”.

Rogério Salgado ou Rogério soldado, como queiram, batalhador que é,
de fato e de direito, demonstra todo seu respeito pela poesia,
pelo fazer poético, ao protege-lo com até certo rigor das garras
das feras famintas por desinformação, e dispara certeiro
seu tiro de misericórdia:


DECRETO

Poesia não deve ser dita aos imbecis
pois será como jogar pérolas aos porcos.


O livro “Trilhas” deve seguir sua própria trilha, DEVE CORRER O MUNDO,
pois tem muito a dizer, principalmente sobre compromisso com um ideal,
A poesia de Rogério Salgado, fluminense radicado em minas,
É exatamente isso, uma arte honesta e natural, um exemplo de grandeza.






BRUNO CANDÉAS
Autor de “Férias do gueto” e “Indigestual”
Recife, 17 de novembro de 2007